Oração

Orar é despojar-se em confissão, é confessar a nossa insuficiência e renunciar a armadura e as defesas psicológicas de todo tipo de justiça própria... Sim, despojar-se continuamente, até aquele ponto em que nos falta tudo, até mesmo palavras para falar, restando-nos apenas uma escuridão silenciosa e vazia de sentido, onde - pela sondagem do Espírito - as nossas ansiedades, os nossos medos, as nossas impaciências, as nossas vaidades, a nossa fúria contida, e os nossos pecados mais ocultos, como vermes que habitam as nossas entranhas, longe dos olhos dos outros e até mesmo longe dos nossos próprios olhos, sobem até a superfície do nosso ser, mostrando a sujeira e a gravidade aniquilante dos nossos pecado e nos reduzindo - num sopro - a nada, revelando, num instante - que fere o nosso ego com um fio mais cortante do que uma espada de dois gumes - toda a nossa imensa carência da graça e do perdão de Deus... Com efeito, orar é se deixar sondar pelo Espírito de Deus, que nos ilumina e nos convence da gravidade dos nossos pecados, através - e unicamente - da verdade do Evangelho de Cristo.

Orar é um gesto puro de fé e sinceridade (a sinceridade de uma criança?), onde entregamos nas mãos de Deus o caos, a escuridão e as profundezas desconhecidas do nosso coração e esperamos confiantes, até que o seu Espírito Santo faça por nós aquilo que nós não conseguimos fazer, isto é, nos lave e nos purifique de todo pecado e de todo espírito de hipocrisia, infantilidades particulares de um espírito imaturo, coisas, sombras e venenos que poluem a nossa alma, escamas que cegam os nossos olhos, pensamentos que pervertem as nossas palavras, cobiças que endurecem o nosso coração, e faz de nós verdadeiros tolos incapazes de autoexame, gente sem discernimentos que se pensa e se imagina melhor, mais decidida e mais sábia do que as outras pessoas. Sim, orar é um exercício de humildade.

A oração - qualquer oração -, se verdadeira, só pode acontecer firmemente enraizada no chão simples da sinceridade. O coração egoísta jamais ora, vangloria-se. Se não for um exercício de humildade, então, ainda que recheada de belas palavras, não é oração, é só qualquer coisa. Mais vale as lágrimas de uma pessoa humilde do que as belas palavras de um arrogante. A nossa oração deve refletir a nossa verdade interior. Quem oculta a sua escuridão diante da luz de Deus, por mais que fale, ainda não ora como convém, porque não vive como convém. Vive na mentira e é mentiroso.  Quem ora deve sair do centro ilusório criado pelo próprio ego e se colocar no centro de todas as coisas, que é Deus.

Finalmente, a última coisa que alguém que ora a Deus deve fazer é esperar por respostas milagrosas e sobrenaturais. Eventualmente, milagres desse tipo acontecem. Não nego a realidade desses milagres, mas a maior parte das respostas de Deus para nossa vida, não vem do sobrenatural, não vem de anjos - nem vem de políticos ou gente muito rica - , vem de cada pessoa comum que todo dia cruza o nosso caminho, vem do natural e da simplicidade das coisas que acontecem nos movimentos dos dias, meses e anos, vem das coisas que acontecem no dia a dia, sob o sol, embaixo do céu, em casa, no trabalho, na escola, numa caminhada, enfim, numa palavra amiga, num gesto de aceitação, numa mão estendida, numa circunstância inesperada... Mas não se trata de sair por aí, ou mesmo ficar em cima de um púlpito, pedindo coisas aos outros. Trata-se de criar relacionamentos verdadeiros e profundos.

Deste modo, aquele que espera respostas de Deus, não deve se fechar em si mesmo, nem deve tornar-se um chato pidão, que só abre a boca para pedir. Deve colocar-se humildemente diante da soberania de Deus e abrir-se para o mundo - deve verdadeiramente amar o mundo, como Deus o amou - e se expor ao sol, deve estar junto das pessoas - criando relacionamentos - e não longe delas, julgando e criticando, deve estar em comunhão com as fontes de vida, e não amuado em solidão, cultivando ressentimentos e amarguras...
_VBMello


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