Admirável mundo novo
Seminal, insaciável, faminto,
artificial
Que admirável mundo novo!
A ilusão não tem fim
O vazio nunca enche
A vida não para
A cidade não dorme
Dia e noite, o tempo todo
A corrida nunca cessa
O movimento é constante
A ansiedade é contínua
A chaga nunca sara
As conquistas são fugazes
Ó tempos, ó costumes!
Tudo que é sólido desmancha no ar
Tudo vive, mas nada convive
Não há mais certezas eternas
Tudo é relativo... Tudo é incerto
Como nos dias de Sodoma
Nas praças e ruas de Gomorra
Os tempos se confundem
As loucuras se misturam
O pecado se alastra
A consciência se cauteriza
O coração endurece
Os passos vacilam
Os passos vacilam
Incapaz de suportar tanto peso
E a alma trinca e desaba
Como uma casa construída
Sobre um areal no fim do
mundo
E o espírito do homem agoniza
E sofre o fardo insuportável
De um tempo de agonia e colapsos
E perece sob a amargura
Desses dias de cegueira moral
A vida não é como deveria
ser
Do nascer ao pôr do sol
O que prevalece é a escuridão
A soberba do saber
O esfriamento do amor
A agonia da fé
A morte da alma
O desespero da esperança
Voltamos ao tempo de Noé
Quando os homens todos
Dizendo-se sábios
Tornaram-se loucos
Abandonados às paixões infames
Cheios de maldade e malícia
Devoram-se mutualmente
E tudo neles, a imaginação
Os pensamentos e as palavras
Tudo - qualquer coisa, qualquer sentimento
Era continuamente inspirado pelo Maligno
Era continuamente inspirado pelo Maligno
No meio da escuridão, desesperados
Tateando ao meio-dia, como cegos
Os homens olham para o céu
Nada veem, nada escutam
Eles têm olhos, mas não enxergam
Tem ouvidos, mas não escutam
Esmurram o peito e gritam:
Deus morreu! Deus morreu!
E depois da anunciada morte de Deus
Assustados com a própria sombra
Sedentos de mais uma revolução
Anunciam guerras e rumores de guerras
E em nome de um mundo melhor
Dispõem-se – mais uma vez
A matarem-se uns aos outros
A peste anda na escuridão
E a mortandade assola ao meio-dia
Ao longe, mas não tão longe
Escutamos o tropel dos terríveis
Quatro cavaleiros do apocalipse
O fim vem, o fim vem...
Ao longe, mas não tão longe
Escutamos o tropel dos terríveis
Quatro cavaleiros do apocalipse
O fim vem, o fim vem...
A insegurança passeia entre nós
Os homens desmaiam de pavor
Joelhos tremem, mãos vacilam
Eli, Eli, lamá
sabactâni
Deus meu, Deus meu
Que admirável mundo
novo!
Sim, que admirável
mundo novo
Há uma solidão que paira sobre nós
Tudo muda de um dia para o outro
Mas nada muda de verdade
Multidões de desiludidos
Sonham em escapar
Desse miserável Show de Truman
Mas não há como escapar
Não há para onde fugir
Não existe lugar seguro
A solidão se alastra
O vazio está em todo lugar
Os limites dos nossos horizontes
Estão todos predefinidos
Na arena do individualismo
O diabo impera e grita:
Trapaça, corrupção
Violência e morte
Que vença o mais forte!
Que vença o mais forte!
Olho por olho, dente por dente
Filho contra pai e pai contra filho
Essa é a lei da vida... e a lei da
morte
Que vença o mais pecador!
Que vença o mais corrupto
Aplaudam os mentirosos
Imitem os corruptos
Tudo que importa nessa vida
É se dar bem... Sabedoria é ser rico
Inteligência é roubar e não ser preso
Subir na vida é pisar no pescoço do
outro
Não bata na outra face de um cara de
pau
Construam sobre fundamento alheio
Colham onde não plantaram
Aproveitem a oportunidade
Transformem pedras em pães
Comam! Embriaguem-se! Carpe diem
Vivamos como deuses... Amanhã
morreremos
Viva a escuridão! Viva a corrupção!
Viva a ambição!
Aplaudam, aplaudam! Olho por olho,
dente por dente
Essa é a lei da vida... Essa é a lei do
mundo e do submundo
Que admirável mundo novo
A maldade tem começo
Mas não tem fim
E quando pensamos
Que já vimos de tudo
Somos novamente surpreendidos
e levados para mais perto das
fronteiras
Das insensibilidade e loucuras do
coração
Olhe ao redor... Sinta o pavor
Pise na lama, suje as mãos
Até as maiores distancias
Que os olhos alcançam
E os ouvidos escutam
A história é sempre a mesma
Do nascer ao pôr do sol
E noite adentro
Só prevalece a maldição
Mentira e assassinatos
Roubo e mais roubo
Adultério mais adultério
Ultrapassam todos os limites!
E o derramamento de sangue é
constante
A terra pranteia e se desespera
E todos os seus habitantes
desfalecem
A depressão come a força das almas
E o suicídio canta vitória
E o mundo dorme escondido
Sob um manto de medo e escuridão
E o homem alucinado, sem saber para
onde ir
Corre, corre, corre... E o tempo passa
Sem parecer que passa
Até que um dia – Oh, horror!
Acorda com os cabelos brancos
E compreende, embora seja tarde
demais
Para compreender essas coisas
Que existiu sem viver
O tempo voou e a sua vez passou
Amanhã, morrerá... E depois de amanhã
Será esquecido para sempre...
Que admirável e maravilhoso mundo novo
Onde tudo voa, e o homem se arrasta
A preço da própria alma e vida
Como quem vende barato
A própria humanidade
Sedento de novos prazeres
Viciado em novas emoções
O homem salta no vazio
Vende a alma ao diabo
Negocia a alma de outros homens
E prospera e se desespera
Sempre faminto, sempre querendo mais
Lobo de outro homem, predador do mundo
Derruba montanhas e escava o solo
Bebe a água dos rios
E sopra chamas de fogo nas florestas
Pisa os jardins sagrados da alma
Esmaga as flores do campo
E prende as aves do céu
Indo sempre mais fundo
No caminho do louco
Derriba celeiros antigos
E constrói outros ainda maiores
Só pensa em si e em mais nada
Quer ser o único dono da terra
Quer usurpar a glória de Deus
Quer ser um deus... Mas é um diabo
Adora-se e quer ser adorado
Quer ser o maior... Quer ser o melhor
E o seu prazer é se olhar no espelho
Vaidade de vaidades! Tudo é
vaidade
Vence tudo, só não vence a morte
Louco! Esta noite te pedirão a tua
alma
E o que tens preparado, para quem
será?
Sem se importar com mais nada
Ele corre em ritmo alucinado
Dita o ritmo das horas e dos dias
Constrói um mundo à imagem
E semelhança da escuridão
Loucura e ansiedades do seu coração
Mas o ritmo alucinante dos dias
Cobra um terrível e alto preço
Que que a vaidade nossa de cada dia
Não pode pagar... Pois é preço de alma
O corpo sofre, a alma se perde, o
coração agoniza
Ele corre atrás da felicidade, e
encontra o nada
No desesperado ritmo dessa vida
primitiva
Mentirosamente chamada de vida moderna
Tudo é atropelado pela correria dos
dias
Mil vezes por dia, todo dia
O homem atropela e é atropelado
Sofre e faz sofrer... Não sabe amar...
Só sabe ter
Acossado pela angústia e pela
perversidade
O homem sofre o desespero
De uma existência vazia e consumida
Pela necessidade e pela vaidade
De ter sempre cada vez mais e mais
Tudo que importa é a aparência
A moda agora é viver
Como um sepulcro caiado
Limpinho por fora, mas podre por dentro
Todavia, sob o manto fino das
aparências
Além das flores e da tinta dos sepulcros
Nos domínios profundos do coração
Onde a luz do sol nunca chega
Onde tudo é vazio e escuro
A vida permanece pobre, miserável
E carente de um sentido maior
Sedento, faminto e desesperado
O homem transforma pedras e pães
Mas as fomes que devoram a sua alma
Pão algum consegue saciar
Então, cheio de tudo, mas vazio de Deus
Até se transformar numa sombra disforme
Da sua antiga imagem e semelhança
original
Ele se embriaga, fornica, come, assiste
TV e dorme
Desejando nunca mais acordar... Mas
sempre acorda
Ainda que seja só para continuar a sua
vida de sonâmbulo
Construtor de ilusões sobre a areia e
roedor de prata e ouro
Todavia, um dia, entre a parada
cardíaca e a crise de pânico
Entre uma veia entupida e uma noite de
insônia
Entre a fidelidade e a infidelidade
Entre a verdade e a mentira
Entre a vida e a morte
Confuso entre a ilusão e a realidade
Ele parece que acorda
Todavia, mesmo acordado
Permanece dormindo
Pois acorda apenas
Para uma realidade parcial
Na ânsia de mudar de vida
Trocam seis por meia dúzia
Sim, então, depois de um choque
Ainda que por breve tempo
A pessoa acorda parcialmente
Para a sua verdade parcial
E como quem olha pela fresta da janela
Acostumada com a escuridão da caverna
Ela, ainda que só por um segundo
Percebe e sente na pele e nos ossos
A angústia que a cerca e a poda
Descobre que andou no caminho errado
Sente que perdeu o rumo da felicidade
Que a sua alma sucumbiu ao estresse
Que o seu coração já não é o mesmo
Que os seus sonhos e esperanças morreram
Que a vida sonhada saiu dos trilhos
E que ela já não sabe mais dizer com
certeza
O que é sonho, realidade, mentira ou
verdade
A vida passa tão rápido – agora ela
sabe
Homem algum é um deus
Os sonhos e as esperanças
Como tudo que é humano
Agonizam, sofrem, adoecem
Morrem e desaparecem
Sim, no reino dos homens
E essa é a maldição desse mundo
Tudo envelhece e nada se faz novo
Desesperado com a vida perdida
A pessoa ambiciona recomeçar
Mas nas estações do mundo
Não há lugares de recomeço
No mundo, sob o sol
Longe de Deus
No campo ou na cidade
Ou no meio da madrugada
Na juventude ou na velhice
Na doença ou na saúde
Na riqueza ou na pobreza
Tudo é continuidade e mesmice
Nos caminhos do mundo, sem exceção
Tudo e qualquer coisa jaz no Maligno
E todo caminho é o início de um grande
descaminho
Uma geração vai, e outra geração
vem
E o sol, e o sol se põe
E apressa-se e volta
Ao seu lugar de onde nasceu
Os olhos não se fartam de ver
Nem os ouvidos
Se enchem de ouvir
O que foi, isso é o que há de ser
O que foi, isso é o que há de ser
E o que se fez, isso se fará
De modo que nada
Há de novo debaixo do sol
Há alguma coisa de que se possa dizer:
Há alguma coisa de que se possa dizer:
Vê, isto é novo? Já foi nos
séculos passados
Que foram antes de nós...
Que proveito
tem o homem
De todo o seu trabalho
Que faz debaixo do sol?
Porque todos os seus dias são dores
E a sua ocupação é aflição
Até de noite não descansa o seu coração
Também isto é vaidade. Tudo é
canseira
A pessoa olha ao redor e grita: Eu só queria ser feliz!
Mas o seu coração grita de volta: Mentirosa!
Mentirosa!
Em nome do famigerado desejo de poder
As verdades todas da alma foram sufocadas
Os sonhos todos foram postergados
E a vida inteira mergulhou num mar
De tristeza e solidão
Sem ter para onde fugir
A pessoa sente que chegou
A hora de prestar contas
O seu coração estremece
As suas pernas tremem
Não há mais tempo para ser feliz
Sob a condenação dessa sentença de
morte
A pessoa rola na cama, mas o sono não
vem
E quando vem, traz consigo pesadelos
sem fim
Dia e noite, sem cessar, o tempo todo
Nos abismos do coração
Uma urgente necessidade de mudança
Cresce, ganha forma, grita e abala os
fundamentos da pessoa
Uma profunda crise existencial se
instala no tutano dos seus ossos
Ela range os dentes, pragueja,
amaldiçoa, implora e orar
No momento seguinte, diz que Deus não
existe, grita e chora
Deixa de lado os profetas e se agarra a
poetas bêbados e suicidas
Ao invés de amadurecer, ela se
infantiliza
Apavorada diante da situação sem saída
Ela nega, negocia, se enfurece, foge
Até tombar diante da depressão
E seguir percorrendo o seu longo
caminho de dores
Onde nada faz sentido, tudo incomoda,
tudo desgosta
E vida inteira se transforma num vulcão
Prestes a entrar em erupção...
E quando tudo explode
Não explode para fora
Explode para dentro
E destrói, com um único estrondo
Toda a sua frágil existência
Construída sobre o montículo de areia
Que é a sua vida de incredulidade e
vaidade
Sim, um dia, a verdade anunciada nos
pesadelos
Sobe até a superfície da consciência
E ganha aparência de realidade
O vulcão – o inferno interior
Explode e a alma é sacudida
Demônios que sempre se duvidou da existência
Agora andam sobre a superfície da sua
pele
Sem opção, entre a morte e o abismo
A pessoa ensaia romper com tudo
Decide que precisa mudar de vida
Mas poucas são as opções de vida melhor
O mundo oferece uma mesa de mesmices
Mudar de emprego, trocar de cidade
Romper antigos relacionamentos
Correr uma maratona, cultivar novos
hábitos
Comida natural, academia e meditação
Então, faminta de recomeços
A pessoa senta na mesa do mundo
E se farta de mesmices com sabores
novos
Até que finalmente sente-se renascida
Assume os riscos pela busca da
felicidade
Compromete-se com uma vida mais
saudável
E se entrega de coração, alma e mente
Ao seu novo estilo de vida natural e
feliz
Mas no coração ela sente – como poderia
não sentir?
Que nada realmente mudou...
Mas uma nova mão de cal no sepulcro
Faz toda diferença... Até, quem sabe
A chagada do próximo dilúvio
Sim, ainda outra vez – com força
dobrada?
O vulcão há de explodir novamente
E então..., enfim... Que admirável
mundo novo
Desde sempre caminhando para a destruição...
_VBMello
Maravilhoso; eu. ..nem sei o que comentar mais, estou pasma ! ♥♥♥
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