Eis que estou à porta, e bato; se alguém ouvir a minha voz...


Nas profundezas do nosso ser, onde nenhum demônio chega ou vê. Onde todo homem habita sozinho e na escuridão dos seus próprios pecados, existe um lugar fechado por uma porta mais sólida do que aço puro. Uma porta construída com as muitas camadas dos nossos medos, cobiças, ansiedades, vaidades e preconceitos. Atrás dessa porta, existe uma escuridão que, por conta própria, jamais se ilumina, mas que finalmente se ilumina e brilha, quando baixamos as nossas defesas todas e nos deixamos tocar, até o tutano da alma, pela luz de Deus. Sim, Deus é a nossa unica possibilidade de iluminação, a nossa única esperança de libertação.


Fora dessa porta, alguém que nos ama, sem cessar, o tempo todo, bate, chama e insiste. Sim, alguém nos chama. Alguém que nos ama. Alguém que quer nos libertar das algemas do nosso reino interior de escuridão e medo. Não há como não ouvir o chamado. Ele fala diretamente ao nosso coração. A sua voz penetra através da sólida parede dos nossos medos e mergulha e reverbera dentro da nossa alma. Tememos, mas não há motivo para ter medo. Aquele que nos chama é manso e humilde. A sua voz é suave e os seus modos são simples. Todavia, o seu olhar é firme e direto como o olhar de um leão. O seu chamado, nós sabemos, não há como negar, é verdadeiro. Ele oferece perdão, paz e vida eterna.


Fora da porta, as coisas - ao redor daquilo que nós chamamos de nossa vida, o nosso mundo -, se amontoam e se organizam numa escala aleatória de valores, que tentamos equilibrar numa balança de perdas e ganhos. Poder, aparência, vaidade, posses, influência, sonhos, desejos, paixões, amizades, amores, conhecimento... Uma coisa leva a outra, e a lista se torna infinita. São essas as coisas que, seguindo a opinião do mundo, nós, sem qualquer reflexão, consideramos a nossa maior riqueza, aquilo que nos caracteriza no cenário das aparências do mundo, os sinais da nossa personalidade, as marcas inegáveis do nosso caráter, o nosso modo de ser e agir no mundo, o nosso sucesso. Sem a posse dessas coisas, pobre de nós, nos sentimos perdidos, pobres, cegos, miseráveis e desamparados no mundo. O que de fato, somos, com ou sem essas coisas.


A verdade é que existe muito entulho - e muita mentira - nisso tudo, nessa coisas sobrecarregada de pesos e fardos, que chamamos de nossa vida, e nós sabemos disso, mas fingimos que não sabemos. Mentimos para nós mesmos... A nossa vida é cheia de verdade que não ousamos admitir. Pobre de nós. No fundo, só fazemos acumular pesos e fardos. O  pouco sentimento de felicidade que vem desse amontoado de coisas e ideias, no fundo, é só mais uma parte da nossa rala maquiagem de pessoa bem-sucedida com a qual queremos nos apresentar e impressionar as pessoas ao nosso redor. Mas ninguém se engana com a nossa aparência de bom moço.... E ainda que alguém se engane, nós não nos enganamos. Pintamos e enfeitamos o sepulcro, e isso é tudo. Escondido sob o manto dessas falsas vitórias, fugimos da verdadeira luta, porque sabemos que a casa da nossa felicidade, construída sobre o areal das nossas aparências e desculpas, é frágil demais. Tão frágil como um castelo construído sobre um monte de areia. Parece firme, mas sob a maquiagem da aparência feliz, a casa da nossa alma encontra-se cheia de rachaduras. Um dia, qualquer dia - pressentimos isso -, vamos ser atropelados pela realidade e o nosso castelo de ilusões, num instante, vai desmoronar. Sabemos disso e até prevemos esse dia. E isso tira o nosso sono e acaba com as nossas possibilidades de paz. Então, no meio de nossas batalhas e guerras interiores, alguém inesperado, mas desejado, bate à porta e grita: "Lázaro, vem para fora!"  Que fazer agora, que ouvimos o chamado?... Continuar morto ou se levantar? O mundo, anjos, homens e demônios esperam a nossa posição... Abriremos a porta do sepulcro? Sairemos para a luz? 

* * *


EIS QUE ESTOU À PORTA, E BATO; SE ALGUÉM OUVIR A MINHA VOZ, E ABRIR A PORTA, ENTRAREI EM SUA CASA, E COM ELE CEAREI, E ELE COMIGO. [AP3:20]


Olhe só para você... Tão convencido... Tão arrogante... Parece tão forte, tão seguro de si... Mas você sabe que você não passa de um cego, surdo, pobre, nu e miserável. As pessoas não notam, mas você está perdido, completamente perdido. Mas você faz pose. Você é só pose. O seu egoísmo não tem fim. Muitos te invejam e te consideram feliz e bem-aventurado, mas no fundo, você sabe que não é feliz. Criatura cheia de vícios, é isso que você é. Hipócrita! Sepulcro caiado. Mentiroso! Falso! A felicidade que te invejam, você sabe, não passa de enganação e encenação. Você é um homem oco. Você finge ser feliz... Sim, essa é toda a verdade sobre a sua felicidade, fingimento. Você escuta o chamado da vida e gostaria de se livrar de tudo e segui-la, mas não tem coragem. É um covarde. A necessidade de manter a pose, sempre fala mais alto. A opinião dos outros, você não pode negar isso, é o que te domina e te guia. Pobre criatura... Você é só mais um dependente da opinião dos outros. Você diz que é livre, mas você não sabe o que é liberdade. Nasceu escravo. E se a verdade, que bate à sua porta, não te libertar, você continuará escravo, praticando o mal que não deseja e incapaz de fazer o bem que deseja, vivendo e morrendo sem compreender o seu próprio modo instável de ser. Tolo.


A sua pose de pessoa bem-sucedida é tudo que você tem. Acima de tudo, você teme desesperadamente perdê-la. A sua pose de pessoa feliz e bem-sucedida é o seu escudo - frágil escudo - , contra as aflições e vazios da vida. Só de pensar em perdê-la, a sua pose, você estremece e desmaia. Por isso, você se faz de surdo à voz daquele que te chama. Teme que ele seja o vento, que você sabe que um dia virá para derrubar o seu castelo de ilusões e expor a sua humilhação em praça pública, e mostrar a todos a sua feiura e a sua nudez. Teme que ele esteja à sua porta, para roubar seu único bem, a sua tosca aparência de pessoa bem-sucedida. Todavia, a sua máscara já está caindo. As suas vergonhas já estão aparecendo. Você teme, estremece e se encolhe.


Mas esse é um temor ingênuo. Aquele que te chama, não está interessado em nada que existe fora da porta do seu coração. Não está interessado nas mentiras que você conta sobre si mesmo. Não está interessado no que os outros dizem ou pensam sobre você. Não está interessado na impressão que você causa. Não está interessado na sua arte de ilusionismo. Não está interessado no que você possui. O que você possui? Não se enxerga? A quem você quer enganar? Tolo. Não vê que você é pobre, cego, surdo, nu e infeliz? 


Meu irmão, meu igual, tudo que você possui são ilusões, um resto de poeira que qualquer vento fraco leva para longe de você. Não, não seja ingênuo. Ele não veio para te derrubar. Você, e você sabe muito bem disso, já está desmoronado e abatido, e isso faz tempo. Ele não veio para te envergonhar. Você, perante você mesmo, já está envergonhado. Ele não veio para te pôr a perder. Você já está perdido. É justamente porque você está perdido, que ele está parado na sua porta, chamando por você. Quer te colocar de pé. Quer te dar uma vida de verdade. O seu temor é sem motivo. Deveria estar feliz. Esse é o seu dia de sorte, não o desperdice. 


Pare de fazer pose de bom moço. O seu coração te denuncia e as suas palavras te traem. A sua vida é contra você mesmo. Não há lugar para se esconder dos olhos daquele que tudo vê. Você sabe que não é tão bom assim. Seja como for, entenda de uma vez por todas, que ele não está interessado no que você pensa que é, pois nada disso, embora você não saiba, é você. São arremedos, medos, sombras, sobras, fardos e pesos. São, isso sim, a causa da maior parte de suas ansiedades, tristezas e medos. Você não sabe, mas você se reduziu ao tamanho das suas precárias posses, cobiças e medos. Você anda pela rua com um sorriso na cara, faz propaganda do seu modo de ser e conta vantagens sobre si mesmo, mas quando a noite chega, você é um pobre recluso dentro da própria alma. Uma trovoada te faz estremecer. Qualquer ameaça te faz correr. Você tem muitas verdades, mas a única verdade essencial sobre você, que você não sabe, é que você é maior do que as coisas que possui, ou melhor, maior do que as coisas que se apossaram de sua alma. Ou não notou ainda que você é um escravo disso tudo que você diz que tem? Teria que estar morto, sim, morto, para não notar. Você está morto? A sua alma ainda vive? Você tem uma alma? Você perdeu a alma? Quem é você? O que você vê quando se olha no espelho?  Eis a questão, de certa forma, espiritualmente, você está morto. Mas eis que alguém bate à porta de sua alma, e te chama para a vida.


Você não é isso que todo mundo vê, admira, gosta, odeia, ou zomba. Você é o que se encontra do lado de dentro da porta, dentro do sepulcro de seu ser, sepultado nos abismos do seu próprio coração e pensamentos, encolhido e sobrecarregado de medo, tonto de ansiedade e solidão, tateando no escuro, incerto do sucesso dos seus projetos e sonhos, e demasiadamente preocupado com o amanhã. Só de pensar no futuro, você treme. 


Onde está agora a sua coragem? Ora, ora, a quem você pensa que engana? A sua coragem, ou esse desespero, que você chama de coragem, é só a manifestação externa, uma necessidade existencial, um fruto do seu pecado, a encenação exigida pelo mundo, dos medos brutais que te habitam e enfraquecem o seu coração. Tolo, a sua coragem é coisa nenhuma. Hoje é o seu dia de sorte. Alguém que te ama, talvez a unica pessoa que realmente te ama, bate à porta do seu coração. Você teme e protege com unhas e dentes cerrados, esse amontoado de coisas e ideias, que você chama de seu tesouro. Mas isso não é a sua riqueza. Isso, ou melhor, esse seu desesperado amor pelo dinheiro, é só um efeito colateral que sofre quem já perdeu a alma, e nem se deu por isso. É só uma tentativa desesperada de preencher o vazio... Todavia, o vazio, noite após noite, só faz aumentar. A situação da sua alma é desesperadora... Todavia, que benção, alguém bate à porta da sua alma.


Não tema! Ele não te chama para te roubar. Não veio para te derrubar. Veio para que você dê frutos, muitos frutos. Não veio para te limitar. Veio para te libertar – de você mesmo. Veio e está à sua porta, para abrir os seus olhos e ouvidos, para que você possa ver e ouvir as coisas que só ouve e vê, quem está em paz do outro lado da porta. Seja como for, ele não passará através da porta. Não é um mágico. Se quiser que ele entre e quebre as suas amarras, terá que abri-la você mesmo, com as suas próprias mão, para que ele entre. 


Ele quer te libertar das ilusões que você criou sobre você, sobre a vida, sobre o mundo e sobre ele.... Não veio pelo seu dinheiro. Veio por você. O que está fora da porta, ao contrário do que você pensa, não são riquezas: são cercas, muros, proteções, propostas vazias de felicidade e bem-aventurança. Mas a verdade, você bem sabe, teria que estar morto para não saber, é que, apesar de viver atolado nisso tudo, você não é feliz, nem de longe. Você tem fome, muita fome. Nada mata a sua fome. Quanto mais cheio você fica das coisas do mundo, mais fome você sente. Nada te satisfaz, Nada faz sentido. Todavia, ele, o Cristo de Deus, te traz um banquete de felicidade... Se você abrir a porta, ele te servirá um banquete de novos horizontes, sonhos e esperanças.


Do que você se esconde? Quem você pensa que engana? Paira sobre você uma sombra de medo e alguma covardia. A vida te assusta. O mundo te assusta. Tudo te assusta, por isso você finge ser tão corajoso, porque tem medo. Sem perceber, você cria em torno de você uma cerca frágil de falsas alegrias. Mas você sabe, no fundo do seu coração, como uma criança que ainda não foi desmamada, você estremece de medo do amanhã. É desse medo da vida, que ele veio para te libertar. Não há motivo para medo. Abra a porta. Ele não veio para te roubar, veio para te dar vida, e vida em abundância... Sê homem. Abra a porta e deixe a luz entrar.
_VBMello 

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